Introdução:
A abordagem terapêutica metafórica está tratando os conflitos inconscientes do paciente na linguagem genuina do inconsciente. Essa linguagem conhecemos dos nossos sonhos. O terapeuta aplica estimulação bilateral enquanto o paciente segue as imagens, cores e símbolos que aparecem. O inconsciente toma a frente e digere os assuntos pendentes. Os leitores que acompanham as minhas publicações já mais tempo, devem lembrar da trilogia "Dançando com um vampiro". Através dessa trilogia o leitor ganhou uma impressão do processo metafórico. Nem sempre dá para entender essa linguagem forte sem limitações culturais, mas o leitor atento consegue entender como as cenas ficam mais pacíficas depois da descarga da raiva. Quando se trabalha diretamente no inconsciente, pode se surpreender com a intensidade dos impulsos. Surtos de violência, devorar o inimigo, vômito, defecação, transformação de aparência, monstros, anjos e demônios podem assustar um pouco. O inconsciente é uma parte antiga e primordial do ser humano. Precisamos compreender o seu jeito de processar conflitos sem condenar. Religião e cultura nos forçam a reprimir os nossos impulsos primordiais para possibilitar um convívio em sociedade. Pregadores nos dizem que temos que perdoar mesmo que ainda estamos fervendo de ódio. Observando meus pacientes que trabalham no nível metafórico totalmente livres de qualquer julgamento, cheguei na conclusão que para o inconsciente justiça é retribuição. Se foi torturado, o agressor precisa ser torturado. Na sociedade moderna o inconsciente vive frustrado porque não é permitido vingar-se. O abusador indo para prisão no fundo não satisfaz o inconsciente do abusado. Perdoar sem retribuição é praticamente impossível para o nosso inconsciente. E agora? Como resolver esse impasse? Na terapia metafórica o paciente é totalmente livre de convenções sociais. Nas sessões o paciente tem um espaço onde pode processar seus conflitos sem culpa ou julgamento até que as forças destrutivas perdem o seu poder. Forças construtivas ganham espaço trazendo beleza e paz. Vou apresentar em seguida um caso de uma paciente que ficou muito braba e triste com a festa do seu casamento que não saiu como planejado. Recomendo uma leitura sem preconceitos. Simplesmente se permite acompanhar o processamento do inconsciente sem repulsa ou julgamento, seguindo a mudança da destruição para organização e aceitação.
Fotografia de Jörg Garbers |
Transcrição de três sessões terapêuticas:
Primeira sessão
A paciente vê tudo escuro quando acessa a lembrança da sua festa de casamento. Um cara está a insultando. É o cerimonial que ela contratou. Ela começa a brigar com ele. A esposa do ceremonial aparece. A paciente arranca os braços dele. Ela vê água suja e o cara gigante que era responsável pela decoração. A paciente se sente muito mal. O cara a empurra contra uma estaca. Ela foge sangrando. Uma casa a suga para dentro. Parece uma concha. Ela se sente frustrada e impotente. Um caracol está saindo da concha. A paciente se vê saindo de um casulo, se sentindo forte. Ela tem braços, mas não tem pernas. Ela está ficando mais forte, transformando num monstro. Chorando ela se vê destruindo tudo. O decorador a persegue. Ele a chuta e a põe num saco. A paciente se sente impotente. O monstro continua com a destruição. Uma criança está chorando. Ter um casamento perfeito foi o seu sonho de criança. A criança está sofrendo. O decorador a enganou. Ela o devora por inteiro. Ela come o seu pênis e vomita em seguida. "Isso é nojento!" Ela come toda pele dele e vomita sangue e carne. O vômito escorre para dentro de uma boca-de-lobo. Está chovendo. A carne é lavada para dentro da boca-de-lobo. A paciente está frustrada e braba com Deus. Ela tentou fazer tudo certo, mas perdeu o controle. Deus deveria ter a alertado. Ela se vê em frente de um hotel, chorando. Ela põe fogo em tudo, desejando a morte de todos. Ela põe fogo no carro e mata todos. Ela só não mata Deus porque ela não consegue. Ela se esfaquea, se vendo sem braços e pernas, sangrando. Ela sente raiva do seu marido. Por motivos religiosos ela teve que casar para poder morar com ele. Ela queria o casamento perfeito sem gastar muito. Ela se vê se arrastando no chão, transformando primeiro em um e depois vários gorilas. Eles andam em direção do salão do casamento. Tem um muro invisível. Quando a paciente chega no salão, ela mata todos, levada pelo desejo de apagar a festa de casamento da sua memória. Ela está muito triste. Está chovendo muito. Ela chora muito. A raiva está misturada com tristeza. Ela grita:"Não, não!" Ela põe fogo nos seus convidados, queimando tudo. "Não faça isso!" Ela mata mais pessoas e transforma numa noiva. Seu vestido de noiva está rasgado e manchado de sangue. Ela atira em todos. Eles a chamam de assassina. Ela está chorando no escuro. As luminárias estão destruídas. O espírito da noiva está saindo do seu corpo, realizando o seu sonho de criança.
Segunda sessão
Ela levanta do chão e destrói cada pequeno detalhe que ela detestou no seu casamento. Ela destrói tudo e mata para esquecer. A paciente está muito triste. "Por quê isso aconteceu?" Ela se sente impotente. Destruição não cura as suas feridas. Ela detestou o lugar e o destruiu. Ela precisa achar o lugar perfeito. Ela procura um lugar pacífico com um gramado bonito e árvores, em harmonia com a natureza. Tem detalhes demais. A paciente se dá conta que ela quis provar algo. Ela quis economizar dinheiro. Ela sente que a culpa foi de Deus. Deus poderia ter a alertado. Ela se sente muito mal e fala com Deus. Se foi somente sua culpa, é demais para aguentar. A paciente se sente morrendo. Ela tenta se matar. Ela não consegue se perdoar. Ela enfia uma faca na sua barriga. Vestida como noiva ela ressuscita. Ela sai do corpo da noiva como uma nova pessoa. Ela abraça Deus e pede perdão. O salão está intacto. Ela agradece e embarca num avião.
Terceira sessão
A paciente está em pé no salão do casamento. Ela não toca em nada mesmo não gostando da decoração. "Deixe assim! Não dá para fazer mais nada!" O salão está vazio. Sem raiva ela olhá para os detalhes. "Eu fiz o melhor possível?" Ela sente que ela poderia ter feito melhor. Ela teve que resolver muitos problemas em cima da hora e ela conseguiu. Ela sente que fez o melhor possível considerando as circunstâncias. Erros aconteceram, mas não por falta de dedicação.
Conclusão:
A paciente trabalhou a sua raiva intensa, tristeza e frustração em relação à sua festa de casamento em três sessões de terapia metafórica. Processando seus sentimentos bloqueados, a paciente conseguiu perdoar a si mesmo, Deus, o decorador e outras pessoas envolvidas no evento. Gostaria destacar como a paciente processa seu sentimento de impotência, devorando o decorador. Freud descreve no seu livro "Totem e taboo" canibalismo como mecanismo primordial para absorver a força do inimigo. Na sua terceira sessão metafórica a paciente consegue aceitar a imperfeição do seu casamento, sabendo que ela fez o melhor possível considerando as circunstâncias.
Leitura recomendada:
Freud descreve nas suas obras "O mal estar na civilização" e "Totem e taboo" os mesmos impulsos primordiais observados em sessões metafóricas. Recomendo a leitura das obras de Freud e Jung para aprofundar o seu conhecimento sobre o inconsciente.