Thursday, July 28, 2016

Transmissão transgeracional de trauma (parte 1)

Introdução:
Conforme os estudos recentes da epigenética traumas de antepassados podem perturbar a vida do paciente. Jung já introduziu a ideia do inconsciente coletivo chamando atenção ao fato que o nosso bem estar emocional pode depender de um contexto maior do que das vivências individuais. Em março desse ano participei no Primeiro Congresso Internacional de Brainspotting em Búzios  (Rio de Janeiro). Trocando idéias com terapeutas do mundo inteiro, decidi integrar técnicas de brainspotting e uma visão de transmissão transgeracional de trauma (TTT) na minha abordagem terapêutica. Com os olhos abertos para a realidade da TTT o trabalho terapêutico de alguns pacientes chamou a minha atenção. 

Ilustração da TTT

Apresentação do paciente:
O paciente me procurou na clínica em função de problemas com o seu sócio e com a sua namorada. Ele foi casado três vezes e fez várias tentativas de terapia. O pai do paciente era alcoólatra e a mãe passiva. Depois de anos de esforço de ajudar o seu pai, ele saiu de casa com quinze anos se sentindo extremamente culpada por ter abandonado o pai. O paciente relatou que era criativo e dinâmico, mas sente muita falta de coragem e murcha logo se alguém grita com ele. Quando acessei o inconsciente do paciente com EMDR-J, esperei de encontrar muitas mágoas e revolta contra o pai. Por minha surpresa isso não aconteceu. Ao contrário, o paciente tinha assimilado as frustrações do pai como se fossem as dele, sentindo a dor do pai com muita intensidade.

Transcrição da sessão:
O paciente viu a mãe chorando e procura o pai. Ele vê o pai preocupado cuidando de tudo. O pai é aprisionado, sem liberdade. O pai queria criar, mas foi abafado no dia-a-dia. Quando o pai era novo, estava feliz por ser livre. Depois de velho o pai entrou numa jaula e ficou preso em si mesmo. Com muito sofrimento o paciente vê o pai numa geleia. Tem um cordão ligando o pai a algo que aconteceu. O pai não quer sair ou não se esforça, se mexendo sem ir para frente. Ele queria algo e foi nessa direção, mas murchou e ficou parado. O pai desceu para uma caverna escura, pensou, voltou e acalmou. Hoje o pai vive em outra alegria. A bolha dele foi para outro lugar. O paciente sente que o pai está olhando por um tempo para outro lugar e fica na dúvida entre a vida velha e nova. O pai quer esquecer, mas olha para o outro lado. "Por quê não enxerguei?" Está perto, mas está longe. O pai está numa camisa de força, estagnado num abraço que ele não conseguia dar. O paciente vê o pai fugindo. O pai anseia, mas está sem coragem, ele não fala a verdade e bloqueia. O pai faz o movimento através de outra pessoa. Ele tem medo. A mulher do pai se frustra. O pai é ruim com a mulher. "Vou proteger e estou sofrendo!" Não é olho no olho. É sentimento expresso por companhia. "Não estás perdido!" O pai desaparece como fumaça escura pela fresta da porta. Tem algo podre e feio junto com muitas sensações. Tem algo má nisso, algo ruim. O pai presenciou algo que fez a diferença. O pai escapou. Uma maldade intencional foi feito com o pai. Tem escuridão. "Vou te pegar, agora estás na minha mão!" Parece um sonho ruim. O pai corre sem parar. Algo confrontou o pai. "Agora tenho que ser grande e adulto!" O pai não consegue ser adulto. O paciente sente a dor forte do pai ainda hoje. Agora o paciente vê o pai feliz. O pai teve uma oportunidade de reconhecimento. Ele está bem vestido. O pai sentiu medo e insegurança num vazio de companheira. O pai foi alegre e feliz, mas se sentiu inseguro na ida. Ele não se sentiu confortável. É duplo, ambíguo, entre trabalho e esposa, entre trabalho e responsabilidade. "Agora vou sair!" Algo puxa o pai de volta. Com muito sofrimento o paciente relata que o pai teve que encolher as asas e não podia mais voar. O pai não voou nunca mais. O paciente vê o pai andando de lá para cá. Ele tem asas, mas não voa. Ele frustrou. A asa está incomodando o pai. "Melhor cortar para ser igual aos outros." A decisão era do pai. O paciente pensa no vô e no tio. O pai não gosta de ser igual aos outros, mas ele não estava preparado para o sonho dele. O sonho ficou longe. O pai teve um gostinho do reconhecimento, mas não teve coragem nem ambição. Ele recolheu tudo e foi embora. O paciente vê o pai com paraqueda no abismo. O paraqueda é velho e podre. "Agora não!" O pai estava perto. Ele está abafando o sonho dos outros. O paciente vê o pai como pintinho perto de um galo pronto. O pai sabota e confunde. Ele não cresceu. "Não é para mim." O pai esperou e vive abafando numa resignação. "É pequeno, mas é meu." O pai fala muito de algo pequeno. É uma compensação. O pai não para de falar. Ele fala mais do que age como um andarilho que anda sem parar. O pai se gaba e faz barulho. Ele não é, ele só fala e criou uma história.

Conclusão:
Depois da sessão relatada em cima, o paciente conseguiu se separar da dor do pai, que tinha carregado dentro de si como se fosse a dele, e conseguiu se posicionar com mais firmeza e coragem sendo pró-ativo.