INTRODUÇÃO:
O ato de conhecer causa mudanças, tanto naquele que percebe como naquele que é percebido. A física quântica, em especial o trabalho de Heisenberg, aponta para os limites do conhecer objetivo que norteava a física clássica newtoniana. Ele fez a descoberta que a realidade só existe em relação ao observador e que a observação não reflete a natureza em si, mas a natureza exposta a um método científico. Na pós-modernidade a interdisciplinaridade ganhou muita força. Percebe-se a necessidade da interrogação filosófica para todas as ciências. A interdisciplinaridade não nega as especialidades e respeita o campo de cada disciplina, porém, quer superar a “hiperespecialização”. Edgar Morin ataca os “hiperespecialistas” como pretensos conhecedores e praticantes de uma inteligência cega. Ele propõe a “epistemologia da complexidade” que substitua a lógica clássica pela dialógica. Westphal complementa que “a ciência, porém, não percebe que vê a realidade somente em partes. Entretanto, a parte é tida como sendo o todo.” A obra “Brave New World” (Admirável Mundo Novo), um romance de ficção científica, de Aldous Huxley é uma crítica ao caráter absolutista da ciência da modernidade. Huxley descreve as pessoas como condicionados a não terem relações familiares e afetivas estáveis e duradouras. A valorização do conhecer objetivo e a negligencia do conhecer relacional parece ser característico da modernidade. Na pós-modernidade observa-se uma perda de confiança na objetividade da razão acompanhado por reações diversas para combater a incerteza. A permissividade, o fundamentalismo, o fascínio pelo espetacular, o consumo e a preocupação com o estilo de vida marcam a pós-modernidade. Acompanhado com esses “valores” novos vem uma incapacidade de viver em relações estáveis. A mudança dos conceitos na época da pós-modernidade levou a reconsiderar o valor de relações e do conhecer relacional.
A VIDA NA SUA COMPLEXIDADE:
Westphal enfatiza a necessidade de uma visão dialógica da realidade. A vida na sua complexidade e totalidade deve ser apreendida por vários pontos de vista tendo consciência que um ponto de vista não representa toda realidade. Ele realça que “ciência somente é possível na visão de pontos opostos. Excluir os opostos como possibilidade científica empobrece a ciência e a coloca nas amarras da estreiteza analítica.” Morin destaca a complexidade da vida. A inteligência que fraciona o complexo reduz o complexo ao simples e separa o que está ligado. A supervalorização do conhecer objetivo ofusca o conhecer relacional. Morin afirma que os conhecimentos fragmentados servem para usos técnicos, porém, não consideram a situação humana no âmago da vida. Eles não ajudam a enfrentar os grandes desafios da pós-modernidade na sua complexidade. Morin formula o pensamento provocativo que “a maior contribuição de conhecimento do século XX foi o conhecimento dos limites do conhecimento.” A descoberta de Heisenberg que o conhecimento objetivo é limitado contribuiu para um abrir de horizontes para a realidade na sua complexidade. Na pós-modernidade observa-se o problema que o cientista virou mito. Com a perda de referências éticas na pós-modernidade o cientista de jaleco branco assume funções litúrgicas evocando expectativas messiânicas e escatológicas. Parece que a ciência tem autoridade e apresenta provas irrefutáveis. Porém, como apresentado em cima, as ciências que estão se baseando em experimentos, como a física não estão capazes de produzir provas que podem ser consideradas verdades absolutas. A medicina clássica valoriza pouco o conhecer relacional. Westphal enfatiza que a visão mecânica e hidráulica do ser humano não deixa os médicos enxergar o sofrimento humano na sua profundidade: “A visão hidráulica e mecânica da medicina moderna pensa resolver o sofrimento existencial como se este pudesse ser apreendido pelo plano cartesiano, como se pudesse ser medido a partir do modelo da hidráulica e da mecânica. O tratamento é feito por meio da química e temos, então, a medicamentização do sofrimento humano e a quimicalização da dor do luto e da angústia da morte. É comum ver médicos com o rosto voltado para a máquina, o computador, de olho nos dados, e as costas voltadas ao paciente.” Poucos profissionais percebem que a situação do paciente exige mais do que o saber técnico e a mera aplicação de métodos. Weizäcker alerta que o pesquisador que supervaloriza o conhecer objetivo aplicando métodos científicos sem tomar consciência das relações e valores éticos envolvidos, facilmente desrespeita a vida. Isso observa-se, por exemplo, na área da biotecnologia. Westphal destaca que “a ciência que perde a humildade diante do mistério da vida, de Deus, do ser humano, da criação, perde a perspectiva ética, tornando-se profundamente ameaçadora”. Importante é não esquecer o que o ser humano deve à vida: não a negação do conhecer objetivo, mas aquilo que liga o Eu com o Tu – o amor.
PROMOVENDO SAÚDE:
Um representante da valorização do conhecer relacional é Martin Buber que vê no “Zaddik” um ideal de educador. O “Zaddik”, o grande “guia de almas” das comunidades chassídicas, era professor, médico e guia espiritual numa pessoa e freqüentemente convivia com seus alunos na mesma casa. Todos os alunos experimentaram a aura da sua essência carismática. Eles eram curados e ensinados. Buber afirma que o aprender acontece através da interação com aquele que ensina. A figura do Zaddik encontra-se na tradição veterotestamentária dos Profetas que ensinaram o povo através de palavra e ação. Em contraste com essa posição encontra-se o conhecer objetivo freqüentemente apresentado na literatura científica educacional: O pensar educacional que vê o processo educacional em função de métodos aplicados está em concordância com o espírito da modernidade. Procuram-se métodos que levam à aprendizagem independente da influência pessoal do educador. Mietzel apresenta a pesquisa científica sobre o planejamento do processo educativo e os métodos indicados que o educador deveria usar para promover a aprendizagem. Formas de aprendizagem de origem behaviorista focam exclusivamente no comportamento observável negligenciando pensamentos, emoções e aspetos relacionais. Porém, um professor, que construa com seus alunos um relacionamento agradável e amistoso, alcança com menos castigo um sucesso maior do que um professor distanciado e frio. Modelos behavioristas que vêem o processo de aprendizagem independente do conhecer relacional estão perdendo a força. O conflito entre conhecer objetivo e relacional aparece também na área terapêutica. A psicologia moderna se preocupa muito com o conhecer objetivo: a exatidão da diagnose e a aplicação de métodos científicos experimentalmente aprovados. Almeja-se objetividade nos testes e o fator humano é visto como uma variante indesejável que interfere no processo de pesquisa. O conhecer relacional e o fator humano como agente da cura, porém é pouco visto. Fica a impressão, que a simples aplicação de métodos leva, de maneira aprovada, necessariamente a cura do ser humano atribulado. Buber critica a prática terapêutica comum de refugiar-se na objetividade de métodos e escolas terapêuticas. Ele aponta que os psicoterapeutas e médicos não estão dispostos a enfrentar o “abismo nu” do paciente, e limitam-se às técnicas da “ars médica”. Buber não considera os métodos científicos inválidos para o tratamento terapêutico, mas ele se posiciona a favor de um caminho de esforço pessoal. Concordando com Buber, o psicólogo Rogers valoriza o conhecer relacional e admite que a aceitação do paciente como todo, em seus sentimentos e colocações, pelo terapeuta tem o maior efeito de cura. Buber acredita que é crucial apoiar o paciente na sua luta consigo mesmo. O encontro de amor do Eu com o Tu aceita o paciente na sua totalidade e enxerga o seu potencial. O terapeuta que vê o paciente como um objeto do seu trabalho, transforma o paciente num ID, em contraposição com o Tu.
CONCLUSÃO:
Promover saúde não significa em primeiro lugar a diagnose de problemas e doenças. O ser humano deve ser visto na sua totalidade compreendendo a complexidade da sua existência. Através do interesse verdadeiro do agente de cura, do entender da situação vivencial da pessoa, compreendendo o que lhe falta para uma vida saudável se promove saúde. Nesse processo os profissionais da área de saúde, da educação e da religião precisam estar conectados para abranger toda a complexidade da existência humana.
REFERENCIAS:
ALVES, R. Filosofia Da Ciência. 16. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
BAUMANN, Z. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BUBER, M. Ich und Du. 11. ed. Heidelberg: Lambert Schneider, 1983.
CHEVITARESE, L. As “razões” da Pós-modernidade. In: Análogos. Anais da I SAF-PUC. Rio de Janeiro: Booklink. (ISBN 85-88319-07-1) Disponível em: <http://www.posmodernidade.pdf.> Acesso em: 9 set. 2008.
DAVIDSON, G.C.; NEALE, J.M. Klinische Psychologie: Ein Lehrbuch. 3. ed. München-Weinheim: Psychologie Verlags Union, 1988.; REINECKER, H. (Org.) Lehrbuch der Klinischen Psychologie: Modelle psychischer Störungen. 2. ed. Göttingen: Hogrefe, 1994.
HEISENBERG, W. Physik und Philosophie. Frankfurt a.M.: Ullstein, 1959.
HUXLEY, A. Brave New World. 18. ed. Glasgow: Triad GraftonBooks: 1977.
LIENERT, G.A. Testaufbau und Testanalyse. 4. ed. München, Weinheim: Psychologie Verlags Union, 1989.
MIETZEL,G. Psychologie in Unterricht und Erziehung. 4. ed. Göttingen: Hogrefe, 1993.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
SCHAEDER, G. Martin Buber: Hebräischer Humanismus. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1966, p. 154-155.
SINGH,S. O último teorema de Fermat. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
SOARES, H. Interdisciplinaridade. Disponível em: <http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.interdiscip1.html>. Acesso em: 3 set. 2008.
WEIZÄCKER, C.F. von. Die Geschichte der Natur. 8. ed. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1979.
WESTPHAL, E.R. Brincando no Paraíso perdido. São Bento do Sul: União Cristã, 2006.
WESTPHAL, E.R. A Lógica da Dominação na Ciência Moderna.Vox Scripturae, V. 9, n. 1, dec. 1999, p. 41-81. São Paulo.